DIÁLOGO SOBRE A AMIZADE


Marcus Tullius Cicero, advogado, político, orador e filósofo romano, morto no ano 43 A.C. (curiosamente, o único período em que dedicou-se à filosofia foi o mesmo em que esteve impedido de exercer a política), escreveu uma série de textos cujo tema é amizade, e onde ele defendia, dentre outras ideias, que só se pode falar de amizade para um amigo. O título deste texto foi emprestado da obra que reúne esses escritos.

Pois bem, se apenas é possível falar de amizade para um amigo, parece que quem se sente solitário, fala de solidão, o apaixonado sobre paixão - ou amor, ou o equivalente, que seja - notadamente principalmente quando esta chega ao fim. Seria possível apenas que o depressivo falasse sobre morte, o contente sobre felicidade, e por aí afora, sempre para seus pares. Alguns desses sentimentos, e outros também, podem mesmo render melhores reflexões quando aquele que escreve sobre eles os vive intensamente, mesmo não sendo uma regra excludente.

Da gama enorme de abstratos que existem classificados como sentimentos, os afetos, cabem quantos deles na amizade? Quase todos, creio. Então, amigos certamente não apenas falam uns para os outros, como também vivem experiências diversas sob a influência de diversos afetos inerentes à natureza humana. Inclusive os episódios de tristeza, dor, depressão, raiva, angústia, impotência, desamparo, desalento. A vivência sincera habilita nos amigos a possibilidade de falar sobre qualquer sentimento, de qualquer natureza, a qualquer tempo, uns com os outros.

Amigos de longa data costumam viver várias histórias juntos ou separados, mas de forma que um sempre saiba das do outro, sabendo um do outro. Grandes amigos se desentendem, também. Há pessoas que manifestam ciúmes de amigos que nem de seus amores chegam a sentir. Distância e tempo interferem, e tanto esfriam a amizade como podem torná-la firme mesmo se o contato é restrito. É quando a lembrança, a memória do afeto, é uma grata felicidade, e é lisonjeiro saber-se protagonista de uma amizade assim. 

A tal vida em sociedade favorece a reunião de pessoas. No entanto, a união entre duas ou mais depende da oportunidade e capacidade de reconhecer entre aquelas pessoas do grupo, o diferencial que fará com que, de reunião de vários, passe à união dos semelhantes. Os valores de bem que os seres compartilham é o que dá conexão à amizade: é a conjunção da índole e dos costumes de cada um, que os atrai. É preciso um pouco de sorte para que tudo conspire a favor desses encontros. As pessoas não nascem, mas bem que poderiam nascer, com um ímã que fizesse com que os semelhantes se encontrassem inexoravelmente. É preciso, mesmo, contar com a sorte. O que principia a formação de uma amizade é fruto da natureza, não da necessidade. 

Para consolidar a amizade, os valores virtuosos é que engendram-se e as mantém. Com um amigo há a certeza de que se é tão livre para falar sobre tudo e qualquer coisa, como se estivesse falando consigo mesmo, totalmente sozinho e em silêncio. Com um amigo que assim procede, o outro sofre suas dores ou alegra-se em sua felicidade: é a amizade que torna as adversidades suportáveis, naqueles piores momentos, e torna mais abundante a alegria, nos momentos bons.

A amizade concebe as esperanças, não deixa acovardar os ânimos. A amizade concilia, e aplica na alma o sentido de amar. E esse último, dizem, é o maior de todos os sentimentos.

Publicado originalmente em 23/04/11

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