O PARLAMENTO SEVERINO



Tenho sérias restrições - e muito preconceito - com quem, inclusive vários "autores" famosíssimos, escreve apenas sobre o que outros escreveram. Peço escusas porque cometo o mesmo vício que critico, prometendo não fazer dele uma virtude, como os demais. A razão é uma das matérias da boa cobertura que o site da revista Veja traz sobre a disputa que ocorre hoje, 01, para presidente da Câmara, a memória que conta sobre vitória do "folclórico" Severino Cavalcanti, em 2005: "O dia em que o 'baixo-clero' estraçalhou o PT."

A Veja caiu no lugar comum, cometendo um erro conceitual e um de conjuntura, nessa apresentação. No aspecto conceitual, o erro foi porque Severino Cavalcanti não venceu por promessas corporativistas e viciadas, mas, sem muito esforço, chegou lá pelo sentimento de auto-estima do que chamam "baixo clero" - a expressão chula que a  imprensa imortalizou, e serve para designar uma maioria de deputados que, na verdade, é apenas não está nem aí, e não paga jabá para ser citado em colunas e, assim, virar "alto clero".

Já o equívoco de conjuntura é também fundamentalmente ligado àquela auto-estima. Lula comprou a Câmara desde o primeiro momento do seu governo, e do chefe da organização do Mensalão José Dirceu para baixo, incluindo funcionários de 15º escalão da administração federal, todo petista, até por saber disso, tratava os demais políticos como putas de bordel de beira de estrada. Putas... não que os nobres e ilustres senhores parlamentares tenham tanta coisa contra. Mas pelo menos uma puta-acompanhante de luxo, pelo menos, é como se creem ser. É esse tipo de prostituta, a que chega até a se casar com político (já vi casos assim), que os membros do Legislativo se esforçam pra ser. Ao ser tratado como a quenga bêbada que leva porrada tanto do cliente quanto do cafetão, o Parlamento apenas reage. E geralmente bate de volta com mais força.

Nenhum governo que bateu de frente ou desprezou o Parlamento saiu vitorioso da contenda, e isso nunca acontecerá na história (do mundo, do Brasil). No caso da eleição para presidente da Câmara, Lula e Dirceu, na arrogância dos que compram consciências de deputados, simplesmente tinham a certeza absoluta da vitória do igualmente arrogante defensor dos assassinos de Celso Daniel, fiel protetor do, digamos, legado de Lula. Estavam certos da vitória do seu candidato, Luiz Eduardo Greenhalgh. O governo não trabalhou, não articulou, não 'pediu' voto. Pois bem, a puta não quis fazer a completinha: o resultado deu em Severino.

De longe, Cavalcanti foi o presidente mais tapado da história, mas com estórias paralelas tão peculiares quanto o próprio. É um tanto injusto imputar-lhe a pior face da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Há um sem-número de outros que provam-se muito mais deletérios para o Parlamento e para a Nação, ainda houvesse uma Nação na era PT. São espécimes de uma turma que pinta cabelo, faz as unhas com manicure, usa ternos caros e bem-cortados, sabe usar talheres à mesa e, muito por isso, é vista como alto clero. Um exemplo recente é o ignóbil, de moral débil e igualmente despreparado ex-presidente, ex-deputado Henrique Eduardo Alves, que pensa ser um estadista. 

Severino teve um mandato com pílulas de ternura e com muito perdido. Dos que vi pessoalmente, Luiz Eduardo Magalhães foi o presidente da Câmara mais elegante, cavalheiro, terno e carinhoso. Tratava funcionários e colaboradores de meu nego, minha nega. Beijava as testas de todos, homens ou mulheres. Era duro, uma águia e muito altivo, e tinha uma organização e inteligência política impecáveis, ao ponto de aconselhar o pai, Antônio Carlos Magalhães, em muitas situações. Severino foi o segundo, ele tinha, com seu jeito "sei quequeisso não, que queu tô fazendo aqui", um afeto similar no trato com as pessoas. Mas foi sua esposa, dona Amélia, a figura que escancarou o "vem, pode chegar, toma um café e olha aqui a rede pra sestear". Ela tratou de transformar o sentimento em prática ao empanturrar os mais próximos com atenção, bolo de rolo e biscoito de goma (sequilhos) feitos por ela. São apenas bastidores, não relevantes para o destinos da Nação. 

E falando em bastidores, a parte pior da combinação de conjunturas que deu em Severino presidente foi que, quem mandava, nos bastidores, era um dos seus filhos, ele sim sabendo até demais das espertezas possíveis num cargo como aquele.

Por outro lado, os perdidos do Severino eram, ao tempo que constrangedores por um presidente de Câmara não ter a menor ideia do que fazer em situação nenhuma do processo legislativo, também foram valiosos (para mim). Eles renderam-me risadas ao lembrar que fora um tipo como ele quem derrotara o poderosíssimo Greenhalgh, o petista de quatro costados, gravatas Hermés e ternos de ombros no lugar.

Não sou tão magnânima ao ponto de achar que o Brasil merecia mais. No Brasil tornado estepaiz por Lula nenhuma outra mediocridade é imerecida. De todos os medíocres que o  sucederam, nenhum me fez rir do PT. Severino Cavalcanti teve, portanto, seus méritos.

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